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Uma resenha de “A valsa brasileira: Do boom ao caos econômico”, de Laura Carvalho

Os desafios para a efetivação dos Direitos Humanos na ponta da trincheira política de um país periférico.



O livro "A valsa brasileira: Do boom ao caos econômico" da economista Laura Carvalho é um preciso relato das turbulências vividas pelo Estado brasileiro na última década. Partindo do estabelecimento do "milagrinho econômico" vivido pelo país entre os anos de 2003-2010, do impulso pelas mudanças na política econômica no que se refere ao aumento do investimento público e pela favorável conjuntura internacional, a economista elenca os pilares fundamentais de um Estado que se mostrou efetivo na conciliação de classes através de uma lógica de ganha-ganha e no combate às desigualdades sociais através de políticas públicas precisas, principalmente no que se refere à renda, crédito, habitação e energia.


Porém, as turbulências vividas nos últimos 10 anos impuseram um doloroso capítulo no sonho brasileiro. Diante de uma mudança no contexto internacional, juntamente com escolhas equivocadas na política econômica, principalmente com a adoção do que a autora chama de “Agenda FIESP”, aliado a ambiente político que impôs um conflito de interesses entre classes, tornou-se inviável a manutenção do ganha-ganha, e o caos econômico se manifestou levando otimismo em relação ao país pelo ralo:


Essa agenda envolveu a redução de juros, a desvalorização do real, a contenção de gastos e investimentos públicos e uma política de desonerações tributárias cada vez mais ampla, além da expansão do crédito do BNDES e o represamento das tarifas de energia. Pode-se dizer com segurança que os resultados de sua adoção foram desastrosos. A desaceleração da economia e a deterioração fiscal que se seguiram acabaram criando as condições para uma segunda mudança de modelo a partir de 2015, desta vez levando ao abandono do pouco que havia sobrado dos pilares de crescimento do Milagrinho. (CARVALHO, 2018, p. 59).


Para a autora, no ponto de inflexão político-institucional-econômico que o país vivia, todo aparato discursivo e técnico voltou-se contra a lógica do pacto social que conduziu à promulgação da Constituição Federal de 1988. "A Constituição não cabe no orçamento" é uma célebre frase que foi repetida à exaustão e demonstra as prioridades de uma nova governança que rejeita o papel do Estado enquanto promotor do combate às desigualdades e como motor do desenvolvimento (CARVALHO, 2018).


Percebe-se que não se trata de falar de erros e acertos dos projetos de governo, apenas. Mas sim, das escolhas realizadas quanto ao projeto de Estado que se propõe efetivar. No meio de tudo isso, ficam escanteados o respeito aos mandamentos constitucionais (que não são meras recomendações, mas detém vinculatividade) e aos Direitos Humanos, deixando a estes a condição de elementos não-prioritários e tornando-os os principais objetos de cortes de recursos e contingenciamentos, como foi o caso da saúde, educação, renda e habitação.


Isso se revela, mais notadamente, com a promulgação em 2016 do Novo Regime Fiscal inaugurado pelo Teto de Gastos, que elege novas prioridades para o Estado brasileiro ao impor o paradigma de austeridade no controle de gastos públicos, principalmente no âmbito das verbas discricionárias, destacando-se saúde e educação:


“A Constituição não cabe no Orçamento", argumentam os defensores da PEC, na tentativa de transformar em minúcia técnica uma decisão que deveria ser democrática. De fato, há uma contradição evidente entre desejar a qualidade dos serviços públicos da Dinamarca e pagar impostos da Guiné Equatorial. O que os advogados da austeridade esquecem de ressaltar é que, no Brasil, os que pagam mais impostos são os que têm menos condições de pagá-los. O pagamento de juros escorchantes sobre a dívida pública não é sequer discutido, mas as despesas com os sistemas de saúde e educação são tratadas como responsáveis pela falta de margem de manobra para a política fiscal. A democracia caberia no Orçamento. O que parece não caber é a nossa plutocracia oligárquica. (CARVALHO, 2018, p. 159).


Esta célebre frase que foi repetida à exaustão, demonstra as prioridades de uma nova governança que rejeita o papel do Estado enquanto promotor do combate às desigualdades e como motor do desenvolvimento. A história mostrou mais uma vez que nos momentos de tensão, o lado mais fraco da corda se rompe, o que impõe diversos desafios para um país periférico que tem sua trajetória política permeada de turbulências.


Por isso, é fundamental (e não apenas, destaca-se), além do fortalecimento institucional, o constante engajamento na defesa da força normativa da Constituição, e acima de tudo do modelo de Estado de bem-estar social que ela consagrou.


Assim, um aprendizado histórico que possibilite a construção de tempos melhores na seara de proteção aos Direitos Humanos é possível, visto que a experiência recente aponta que as políticas de promoção do acesso material a esses direitos (através do crédito e da renda) são também um importante vetor de desenvolvimento econômico:


Além da distribuição de renda na base da pirâmide, a política econômica teve dois outros pilares que alimentariam esse processo de crescimento mais inclusivo e com grande apelo junto à opinião pública: maior acesso ao crédito e maiores investimentos públicos em infraestrutura física e social. (CARVALHO, 2018, p. 19)


Laura Carvalho é certeira em reiterar que não são apenas os institutos que permeiam o debate jurídico que garantem o longo termo da consolidação de direitos, mas a voz ativa e a participação destes pilares na tomada de decisão política.


Em suma, a autora faz uma análise segura sobre a crise brasileira (sobretudo destacando a sua natureza política), e demonstra a necessidade de se ter maturidade na tomada de decisões, ou, em sentido mais estrito, os desafios enfrentados na perpetuação de políticas públicas num contexto turbulento de múltiplos interesses de natureza oligárquica e patrimonialista. O significado demanda o significante, de modo que nessa "valsa brasileira", é preciso a afinação entre os que tocam a música e os que dançam, observando-se fielmente a partitura, que é a Constituição Federal.


REFERÊNCIAS:


CARVALHO, Laura. Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico. São Paulo: Todavia Editora, 2018.

 

Luiz Eduardo de Sousa Ferreira é membro do GPPEC/UNIFACS-CNPq, mestrando em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS e pós-graduando em Filosofia e Teoria Geral do Estado pela FADISP/UNIALFA.

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