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Posts do fórum

Luiz Eduardo
Membro do GPPEC
Membro do GPPEC
08 de mai. de 2024
In Sociedade dos Juristas Mortos
A obra atemporal de Frank Hebert aponta um debate que se desdobra em diversos outros debates que cercam a experiência humana no mundo: desigualdade, exploração, construção narrativa e dominação. O texto contém alguns spoilers. Duna, publicado como livro em 1965, escrito por Frank Hebert, voltou ao cinema em 2024, em adaptação dirigida por Denis Villeneuve. Usualmente, temas como a exploração de recursos, dominação, ecologia e fundamentalismo religioso são associados à obra, visto que de fato estão na sua centralidade. Porém, venho trazer dois outros temas que decorrem indiretamente da figura do protagonista da história, Paul Artreides, e que me fizeram pensar sobre o universo de reflexões que podem surgir em qualquer obra de arte, principalmente naquelas que são marcos absolutos na história da humanidade. Epistemologia, Sujeito e Hermenêutica O ser humano sempre buscou compreender o mundo e os seus elementos. No caminhar da espécie, diversos momentos históricos possibilitaram o surgimento de determinados paradigmas epistemológicos que direcionaram essa busca pela compreensão. Antes da ampla difusão da racionalidade moderna, a tradição e a autoridade poderiam ser constatadas como os principais critérios de busca pela verdade, visto que os que proferiam os "fatos" tinham a credibilidade social decorrente da posição que ocupavam. Essa noção de sociedade hierarquizada deu lugar ao império da razão, fundado em uma percepção de que somente é verdadeira uma afirmação que pode ser demonstrada de maneira racional e objetiva, derrubando-se a representação do poder como fonte do conhecimento legítimo. A essa forma de busca do conhecimento, pode-se classificar como lógico-dedutiva, é protagonizada por um sujeito solipsista que é alçado à condição de "senhor dos sentidos". Nesse período, vigorou o primado da subjetividade, impulsionado pela filosofia cartesiana, na qual o sujeito é o centro da busca pela verdade, dispondo de racionalidade e método para encontrá-la. Essa verdade moderna está posta e é objetiva, independente da atividade do sujeito, que deve busca-la de maneira racionalmente construída. Por isso, é uma verdade que pode ser acessivel a qualquer um. O pensamento moderno apresenta uma verdade existente e obscura, que cabe à razão humana iluminar. Tal entendimento da realidade remete à jornada do jovem Paul Atreides. Desde o inicio da jornada Paul é apresentado como um sujeito dotado de grandes habilidades e sabedoria. Ao utilizar-se da especiaria do planeta Arrakis, Paul é capaz de ver as possibilidades de seu futuro e do império, mas de forma nebulosa e desconexa. Cabe ao personagem, através dos conhecimentos reunidos no decorrer da jornada e em seu treinamento prévio, descobrir a verdade por trás das visões e compreender as implicações de suas escolhas e estratégias, que sem exagero poderiam ser chamadas de escolhas metodológicas para uma guerra. O paralelo com a racionalidade moderna se dá pela existência de uma verdade posta, ainda não conhecida, mas que pelos meios corretos pode ser acessada. Apesar das habilidades amplificadas de Paul, todo sujeito que consumir a especiaria pode também viver a mesma experiência de visões. Além disso, pode-se afirmar que o arquétipo encarnado por Artreides é de um sujeito que tem o mundo, o passado, presente e o futuro em suas mãos. Ou seja, assim como o sujeito moderno, tem todas as repercussões da realidade condicionadas às escolhas de sua razão e de seus interesses pessoais. Artreides é a medida de todas as coisas em seu mundo, a sua percepção da realidade condiciona a construção de sua verdade como verdade universal. A repercussão desta verdade universal é ainda mais concreta, na medida em que a narrativa criada a partir da figura Messiânica de Paul define a forma de exploração dos recursos de Arrakis, a relação do povo da areia com seus dominadores e os rumos políticos do Império Galáctico. Além disso, subsiste na figura de Paul uma triste ironia que também perpassa o sujeito moderno: a sua construção como libertador faz com que este se torne um dominador. O sujeito solipsista construido pela filosofia moderna é viciado em si mesmo. A linguagem se torna um instrumento de domínio do mundo, e não uma condição de compreensão deste. A hermenêutica juridica filosófica busca justamente romper com este parâmetro de sujeito. Talvez este tema e este recorte no sujeito moderno tenha aparecido de maneira repetida nas colunas deste fórum. Porém, acredito que seja importante reiterar a importância da análise crítica desde fenômeno, na medida em que boa parte da construção do conhecimento na teoria do direito parte deste paradigma, notadamente na força ainda atual da teoria de Hans Kelsen, e das teorias contemporâneas de Hebert Hart e Robert Alexy. Desigualdade A desigualdade é um tema que pode ser visto de maneira expressa no sistema hierarquico da organização política de Duna, uma espécie de Feudalismo Galáctico. Porém, a reflexão que proponho vai em outro sentido, que coloca a realidade do livro/filme como um ponto de partida. A história se desenrola em Arrakis, um planeta que possibilita a extração da especiaria fundamental para o deslocamento interplanetário e para o sistema de localização do império. Em Arrakis, vivem o povo da areia, os Fremen, explorados e acostumados a viver numa escassez de recursos, principalmente de água, e alguma casa nobre, ou os Harkonnen ou os Artreides, que organizam a exploração da especiaria. Os Fremen vivem na constante espera de um Messias libertador, aquele que irá conduzir o povo da areia para o controle sustentável do planeta Arrakis (na língua dos Fremen, Duna). Em determinado momento, ao tratar da possibilidade de manipulação do povo da areia, Paul enuncia a seguinte frase: "Quando os recursos são escassos, o medo é tudo que nos resta". Observando os dilemas vividos na contemporaneidade, principalmente no Brasil, eu me perguntei: e quando os recursos são abundantes, porém mal distribuidos, o que resta para aqueles que tem medo? A resposta para essa pergunta não é fácil, visto que não é possível atribuir apenas à desigualdade a ocorrência da violência, pobreza, fome e a ascensão da extrema direita. Porém, é possível observar que a desigualdade é uma peça fundamental no fortalecimento destes fatores que obstam o desenvolvimento do país. E o que afirmam, entre muitos outros, Sérgio Adoro, ao tratar da violência; Gilberto Bercovici e Lenio Streck, ao tratar da teoria constitucional; Gabriela Lotta ao debater uma teoria de politicas públicas no pais; Luiz Gonzaga Belluzo, Clara Mattei e Laura Cardoso, ao pensar a economia brasileira e seus percalços. Ou seja, a desigualdade, notadamente a social e econômica, dá um cenário que possibilita a manipulação dos ressentimentos e dos medos de uma ausência de recursos. É a força motriz de um "micro-cosmo" erigido no medo, no afastamento, e principalmente, na exploração. Exploração esta que dá argumentos fundamentalistas, através da religião, e que justifica ainda mais espoliação, ao colocar as pessoas em gaiolas imaginárias através de mitos individualistas da teologia da prosperidade, do empreendedorismo de si mesmo, e da meritocracia. Da péssima distribuição de recursos (e o Brasil é o principal país do mundo nesse quesito), decorre uma concentração de recursos. Infelizmente, da concentração de recursos, nasce uma concentração de direitos. Por isso, não é possível fazer Teoria do Direito no Brasil, sem pensar a questão da desigualdade e suas decorrências, questionando-se: Quando os recursos estão concentrados, o que resta para quem está vulneravel?
O universo de reflexões descortinado por "Duna" content media
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Luiz Eduardo
Membro do GPPEC
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29 de abr. de 2024
In Sociedade dos Juristas Mortos
"Duas estradas num bosque se bifurcavam, e eu/ A menos percorrida trilhei,/ E isto fez toda a diferença” (Robert Frost) O filme Sociedade dos Poetas Mortos, lançado em 1990, dirigido por Peter Weir e estrelado por Robin Williams, retrata a dinâmica de uma escola de alto padrão, tradicional, masculina e com um sistema de ensino autoritário, que contrata um novo professor de inglês, John Keating. O enredo do filme se desenrola a partir de um novo horizonte de vida e de mundo apresentado pelo modo incomum de ensino deste novato professor. O grande ponto de inflexão na história ocorre quando estes métodos de Keating conflitam com a tradição da escola preparatória, voltada para a formação de homens técnicos, prontos para a pragmática da vida social e que condicionam suas vidas para o estudo, trabalho e o orgulho de seus pais. A ausência de manejo da sensibilidade dos garotos era latente, notadamente na matéria de Keating. Isto o faz apresentar aos alunos a urgência de aproveitar a vida verdadeiramente, através da busca desta sensibilidade dentro de cada um deles, para que não se tornassem homens obtusos e arrependidos. “Porque, acreditem ou não, todos neste recinto um dia pararão de respirar, esfriarão e morrerão. (…) Carpe diem, aproveitem o dia, rapazes. Tornem as vidas de vocês extraordinárias.” Assim, os alunos Todd Anderson, Neil Perry e outros refundam a Sociedade dos Poetas Mortos, uma sociedade secreta (para burlar as proibições da escola), que se reúne numa caverna para ler e discutir as obras de antigos poetas, sob a perspectiva dos reflexos destas obras nas suas vidas pessoais. A Sociedade dos Poetas Mortos é a concretização do projeto de Keating de apresentar uma nova realidade para aqueles jovens que tiveram suas verdadeiras potencialidades limitadas por um ensino restritivo. A poesia, juntamente com o confronto da efemeridade humana e da juventude são os instrumentos de Keating para colocar no coração daqueles jovens a inquietude diante da noção de imortalidade e controle da vida, que perpassa uma formação de pensamento tradicionalista. A inconformidade em seguir um caminho ou um modo pré-estabelecido de compreender o mundo é uma bússula que aponta para a fundação de uma nova relação com a vida, menos objetificadora e dominadora. Esta nova relação é a que se deixa fluir, aproveitando cada momento se sentindo parte da vida, e não o senhor dela. O rompimento de Keating com uma formação insensível de jovens para o mercado de trabalho é uma mensagem poderosa de questionamento sobre qual mundo estamos fundando diariamente, ainda mais estando diante de um império da técnica humana, das inteligências artificiais, dos processos de desumanização promovido pelas guerras e de uma sociedade que vê as relações humanas como um grande mercado, em que se pode vender, trocar e dispensar os semelhantes. E o que isto importa ao Direito? Ou melhor, o que isto importa ao pensamento jurídico? O convite de Keating para uma nova relação com o mundo reverbera em todas instituições da vida que dependem do manejo humano. Isto porque o humano está necessariamente mergulhado neste contexto de construção do conhecimento tradicional e objetificador. Sendo mais concreto, a filosofia moderna, notadamente de viés Cartesiano, impõe uma epistemologia na qual a razão do homem é a portadora do acesso à verdade. Ou seja, todo o mundo ao redor é um mero objeto de descoberta e exploração do homem. Penso, logo existo. (René Descartes) Aqui, o sujeito cartesiano é o sujeito solipsista, ou seja, na esteira do sistema heliocêntrico, assim como o sol (solis), o homem é o centro do universo, e de sua força gravitacional/razão, o movimento de todos os outros astros/objetos estão condicionados. Deste entendimento de relação entre homem e mundo é que se constrói, também na Teoria do Direito, formas de compreensão da interpretação jurídica e do Direito em si que partem desta premissa de centralidade da consciência do homem, desconsiderando fatores históricos, sociais e culturais. E o que isto importa a esta coluna "Sociedade dos Juristas Mortos"? Esta coluna foi pensada com o propósito de tentar trazer algumas discussões que se orientam pelo contraponto à dominância do pensamento moderno/dogmático/objetificador na Teoria do Direito. Ou seja, seguir o caminho que tem sido apontado por alguns pensadores como Heidegger, Gadamer, Warat e no Brasil, Lenio Streck. Busca-se atender o convite de Keating e pensar que é possível entender e interpretar o Direito com sensibilidade, atrés das artes e da filosofia. Além deste movimento de compreender o Direito, seu papel e adjacências com sensibilidade, volta-se também para um aspecto prático da aplicação do direito. Interpretações judiciais que partem da premissa de que a razão/consciência do julgador é capaz de desvendar o verdadeiro sentido de determinada lei, caem na cilada apontada por Keating, de instrumentalizar e dominar o mundo para seus interesses. Aqui, a dominação do mundo está na dominação da linguagem. A razão humana é limitada, e toda experiência interpretativa é pública. Isto porque a linguagem, através da qual se manifesta o ato de interpretar, é construída numa dinâmica comunitária de atribuição de sentidos às coisas. Se se presume que a linguagem pode ser dominada para afirmar interesses próprios, cai-se numa armadilha de pretensa dominação da razão do homem na atribuição de sentidos de sua realidade. Em outras palavras, esta coluna busca realizar um pouco do que foi feito pela Sociedade dos Poetas Mortos: trazer debates que ascendam a chama da inquietude no que se refere a relação entre o homem e mundo, e instigar reflexões através da sensibilidade para a compreensão da realidade. O Direito faz parte do mundo e faz parte do homem, de modo que sua teoria traz elementos que decorrem diretamente desta relação. A linguagem é dotada de nuances, é histórica, condicionada e está em constante movimento. É preciso ser mais desconfiado quanto à capacidade do homem de interpretar o Direito, e reafirmar a necessidade de realizar esta atividade interpretativa com responsabilidade pública. E aqui, as artes auxiliam na compreensão destes elementos da linguagem. Trata-se de se utilizar deste espaço para explorar pensadores e juristas que defendem que é possível fundar uma relação mais democrática e harmônica no Direito, através da fundação de uma relação mais democrática e harmônica do homem com sua realidade.
Por que Sociedade dos Juristas Mortos? content media
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Luiz Eduardo
Membro do GPPEC
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23 de out. de 2023
In Sociedade dos Juristas Mortos
Publicada originalmente entre 1986 e 1987, a história criada por Alan Moore segue enunciando dilemas políticos e filosóficos vividos na contemporaneidade. O trecho acima é retirado da história em quadrinhos que é considerada o maior marco do viés realista que começou a ser dado às histórias que antes não se preocupavam em elaborar camadas mais dramáticas para os personagens e suas motivações, especialmente devido ao público alvo ser majoritariamente infantil. Watchmen foi escrita por Alan Moore e ilustrada por David Gibbons e retrata desde a complicada dinâmica interna de um grupo de heróis até a geopolítica de uma sociedade alternativa na qual os Estados Unidos venceram a Guerra do Vietnã e Richard Nixon era o político mais poderoso do país, chegando ao terceiro mandato. Nesta sociedade alternativa (ou nem tanto assim), cada personagem é a expressão alegórica de determinada visão de mundo, materializada pela manifestação de suas individualidades. Por isso, seus embates são também interações destas visões de mundo. O autor preencheu a construção dos vigilantes a partir de diferentes matizes, mas aqui, destaca-se a representação do autoritarismo norte-americano expressa no Comediante. O Comediante é o personagem-gatilho de toda a trama, e é também o autor da frase destacada na tiragem acima. Ao receber a pergunta do Coruja, membro que representa a retidão moral e a legalidade, sobre "O que aconteceu com o sonho americano?", o Comediante é categórico ao responder que "virou realidade". Aqui, pode-se observar o que José Luís Fiori (2020) apontou em sua obra "A síndrome de Babel e a disputa do poder global" como a fonte primordial das contradições vividas pela Ordem Mundial erigida na perspectiva do sonho americano, notadamente no pós-Guerra Fria. Segundo o autor, o mito de Babel "conta a história dos homens que se multiplicam, depois do Dilúvio, unidos por uma mesma linguagem e um mesmo sistema de valores, propondo-se a conquistar o poder de Deus através da construção de uma torre." Dessa forma, Deus reagiu ao desafio dos homens e os dividiu, atribuindo a cada nação um sistema de de valores e línguas diferentes, de modo que não pudessem mais se entender e agir em conjunto. Portanto, Fiori destaca que Deus abriu mão de sua "universalidade" e escolheu um único povo como enunciador de seus desígnios, instrumentos de vontade, e braço de guerra contra os povos que ele mesmo criou ao dispersar os homens em Babel. Fundamentalmente, a hipótese de Fiori é a de que o sistema mundial, e essencialmente os Estados Unidos, estariam passando pela síndrome de Babel. Isto porque, após o chamado "fim da história" nasceu um mundo unipolar, percebido na vitória da ordem liberal e da universalização dos valores ocidentais propalados pela política externa norte-americana, num contexto de inequívoca centralidade e dominância do país a partir da globalização do sistema interestatal capitalista e sua cartilha de regras criadas pela ordem liberal. Desta expansão do poder americano, juntamente com a priorização de uma organização mundial pautado no comércio e na troca, tanto a Rússia quanto a China se beneficiaram deste sistema de regras do sistema interestatal, e, juntamente com Irã, Turquia, Coreia do Norte, Brasil (mais recentemente) e outros países, passaram a questionar a hierarquia deste sistema capitaneado pelos Estados Unidos. Ou seja, foi necessariamente a convergência e homogeneização normativa do sistema global, aliado ao aumento de poder e de unidade dos Estados que questionam a centralidade americana a partir de suas próprias "regras do jogo", que começaram a ameaçar o poder global norte-americano, forçando-os a mudar a estratégia e dar uma guinada completa em sua política externa, a exemplo da nova estratégia de segurança nacional anunciada pela Casa Branca em 17 de dezembro de 2017, em que apontam contra as "potências revisionistas", como China e Rússia, e que foi mantida, em linhas gerais, na estratégia de segurança nacional do governo Biden-Harris. Portanto, arremata Fiori, os Estados Unidos decidem abdicar de sua "universalidade moral" e desistir do projeto iluminista de "conversão" de todos os povos aos valores e éticas ocidentais, ao mesmo tempo em que não abrem mão de perceber seus valores como superiores aos demais e se assumirem como "povo escolhido", na medida em que ainda assumem o exercício unilateral de seu poder, através da força e do posicionamento como um "império militar" de escala global (vide falas recentes do presidente Joe Biden sobre os Estados Unidos serem o império mais poderoso da história da humanidade). Na estratégia de segurança nacional de 12 de outubro de 2022, o Governo Americano pressupõe a existência de um ambiente global de concorrência, e que portanto, os três principais pilares de sua política externa seriam: "Investir nas fontes e ferramentas subjacentes do poder e da influência americanos;Construir a coalizão de nações mais forte possível para aumentar nossa influência coletiva a fim de moldar o ambiente estratégico global e resolver desafios compartilhados; e Modernizar e fortalecer nossas forças armadas para que estejam equipadas para a era da competição estratégica." A síndrome de Babel se manifesta na conclusão do diálogo entre o Coruja e o Comediante, pois a desintegração percebida é efeito direto da realização do sonho americano. Nesta nova versão, cabe ao "povo escolhido" disputar e impor seus valores através da força. É o que brilhantemente conclui José Luís Fiori: Ou seja, os Estados Unidos se assumem como um "povo escolhido" e abdicam de sua "universalidade moral" para alcançar a condição de um "império militar" de escala global. No entanto, ao mesmo tempo, os Estados Unidos reconhecem e valorizam o sistema interestatal e se propõem a sustentar uma competição permanente pelo poder, com as outras grandes potências, numa luta que não terá árbitros nem posições neutras, e na qual todas as alianças e guerras serão possí-veis, em qualquer momento e lugar. Um sistema no qual cada país terá que fazer valer seus interesses nacionais por si mesmo, através do aumento contínuo de seu poder econômico e militar, através de uma corrida tecnológica que deve levar a humanidade ao patamar sem precedente de inovação armamentista. A síndrome de Babel antecipada em Watchmen revela uma dimensão de reflexão que vai além da geopolítica, mas que abarca também o questionamento das contradições que a supremacia dos valores e direitos liberais-americanos. Assim, é possível compreender que trata-se de importante perspectiva para analisar os dilemas da Ordem Mundial "unipolar", expressas na deflagração de diversos acontecimentos recentes de fragmentação territorial e política, além dos primeiros passos para o fortalecimento de uma organização global para além do comando norte-americano no chamado "sul global". É uma análise que não se pretende como exercício de futurologia ou como meio de explicação de todas as atitudes da "polícia do mundo", mas sem dúvidas, é uma lente de leitura essencial.  ----------------------------------------------------------------- Luiz Eduardo de Sousa Ferreira é membro do GPPEC/UNIFACS-CNPq, mestrando em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS e pós-graduando em Filosofia e Teoria Geral do Estado pela FADISP/UNIALFA.
Watchmen e a Síndrome de Babel: A realização do sonho americano content media
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Luiz Eduardo
Membro do GPPEC
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19 de set. de 2023
In Sociedade dos Juristas Mortos
De que maneira um dos grupos de heróis mais conhecidos da atualidade consegue reverberar debates fundamentais para a inclusão desde a sua criação. O entretenimento é um importante vetor para reverberar discursos fundamentais no que se refere à valores e acima de tudo, política. Sempre foi assim, na medida em que as manifestações humanas, nos diversos meios de comunicação, revelam a dimensão simbólica dos debates travados e dos dilemas enfrentados em determinado tempo. Os X-Men, da Marvel Comics, criados em 1963 por Stan Lee e Jack Kirby, são um grupo de adolescentes e adultos de variadas origens, dotados de uma mutação que os posicionam como uma evolução da humanidade, visto que a partir disso, nascem dotados de poderes e habilidades extraordinárias. Estes personagens seguem na esteira tradicional de outros sucessos da "casa da idéias": a construção de personagens extremamente humanizados, com dilemas e dificuldades que geram conexão imediata com o leitor, além de fraquezas e medos completamente humanos. Por trás das aventuras dos heróis, é possível observar de forma cristalina os debates sobre aceitação e inclusão, juntamente com os obstáculos impostos pelo medo e o ódio ao diferente. Os pilares das histórias, em regra, são os antagonistas Professor Xavier e Magneto. O primeiro, pacifista e líder dos X-Men, de veia pragmática e diplomática, acredita que os mutantes serão aceitos através da informação, debate público e constante demonstração da disposição mutante em ajudar e proteger a humanidade. O segundo, por sua vez, é um sobrevivente do holocausto judeu promovido pelos nazistas, é líder da Irmandade dos Mutantes e defende a dominação mutante como única maneira de sobrevivência, visto que os humanos, guiados pelo medo, nunca os aceitariam. As diferenças nas ideias e atitudes quanto à maneira de integração dos mutantes é usualmente feita com certa ausência de maniqueísmo, visto que com o tempo, foi possível se construir diversas camadas nas motivações dos personagens, que inclusive os fizeram ser comparados à Malcom X (Magneto) e Martin Luther King (Professor Xavier). As revistas dos X-Men constantemente patrocinam debates quanto à comunidade LGBTQIA+, latinos, negros, mulheres, pessoas com deficiência, governos autoritários e pulsões de eugenia/extermínio. Todos esses são temas que sempre estiveram, em conjunto ou isoladamente, em alguma aventura dos heróis mutantes, tanto na perspectiva macro, enquanto sociedade, quanto na visão micro, a partir da relação entre familiares e amigos diante da aceitação da não-normatividade. Nesse sentido, também não se furta de desenvolver elementos fundamentais num contexto de que todos esses temas são vividos por adolescentes e jovens adultos, num ambiente escolar, o Instituto Xavier para Estudos Avançados, e que portanto, se entrelaçam com as dificuldades inerentes ao crescimento e a compreensão de si mesmo diante a solidão inspirada pela condição de isolamento que se vive. Uma história emblemática é a que, diante de um pânico geral em relação aos mutantes, o governo impulsiona a construção de robôs, chamados de Sentinelas, que seriam capazes de identificar e exterminar os mutantes, taxados como ameaça à humanidade. Este sentimento anti-mutante é retratado no quadrinho "Dias de um Futuro Esquecido", e revela a centralidade de elementos como a propaganda de desinformação, a disseminação do ódio em espaços públicos e a construção do preconceito a partir do medo, culminando na criação de campos de concentração mutantes e a institucionalização da necropolítica. Portanto, não restam dúvidas para destacar a relevância destes personagens na promoção da percepção das dificuldades cotidianas nos solavancos encontrados na luta pela ampliação e efetivação dos Direitos Humanos em todos espaços de sociabilidade. Não é incomum ver passagens do Professor Xavier discursando na ONU e em contato com membros do governo, por exemplo, sem se furtar da educação dos jovens quanto à necessidade de sua aceitação e responsabilidade social. Os mutantes são fundamentais por abarcarem todas as minorias que além de não serem contempladas pela permissão de desenvolvimento de uma cidadania plena, também são vítimas de campanhas de perseguição e ódio. Por isso, os X-men não são apenas heróis de almanaque, mas revelam a dimensão reflexiva constante na arte do entretenimento, de potencialidade enorme para o reforço de uma noção de uma consciência de Direitos Humanos (ou mutantes), que devem ser fruídos por todos, sem abrir mão da luta e do altruísmo que estas histórias naturalmente inspiram através da identificação e da humanidade que pulsam nelas. ................................................................... Luiz Eduardo de Sousa Ferreira é membro do GPPEC/UNIFACS-CNPq, mestrando em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS e pós-graduando em Filosofia e Teoria Geral do Estado pela FADISP/UNIALFA.
Os X-Men e o discurso dos Direitos Humanos das minorias na Cultura Pop content media
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Luiz Eduardo
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28 de ago. de 2023
In Sociedade dos Juristas Mortos
O livro "A valsa brasileira: Do boom ao caos econômico" da economista Laura Carvalho é um preciso relato das turbulências vividas pelo Estado brasileiro na última década. Partindo do estabelecimento do "milagrinho econômico" vivido pelo país entre os anos de 2003-2010, do impulso pelas mudanças na política econômica no que se refere ao aumento do investimento público e pela favorável conjutura internacional, a economista elenca os pilares fundamentais de um Estado que se mostrou efetivo na conciliação de classes através de uma lógica de ganha-ganha e no combate às desigualdades sociais através de políticas públicas precisas, principalmente no que se refere à renda, crédito, habitação e energia. Porém, as turbulências vividas nos últimos 10 anos impuseram um doloroso capítulo no sonho brasileiro. Diante de uma mudança no contexto internacional, juntamente com escolhas equivocadas na política econômica, aliado a ambiente político que impôs um conflito de interesses entre classes, tornou-se inviável a manutenção do ganha-ganha, e o caos econômico se manifestou levando otimismo em relação ao país pelo ralo. Neste cenário, contudo, não foram os dados e teorias econômicas em si que chamaram minha atenção a ponto de escrever esta contribuição para o grupo. Me saltou aos olhos que, no ponto de inflexão político-institucional-econômico que o país vivia, todo aparato discursivo e técnico voltou-se contra a lógica do pacto social que conduziu à promulgação da Constituição Federal de 1988. "A Constituição não cabe no orçamento" é uma célebre frase que foi repetida à exaustão e demonstra as prioridades de uma nova governança que rejeita o papel do Estado enquanto promotor do combate às desigualdades e como motor do desenvolvimento. Percebe-se que não se trata de falar de erros e acertos dos projetos de governo, apenas. Mas sim, das escolhas realizadas quanto ao projeto de Estado que se propõe efetivar. No meio de tudo isso, ficam escanteados o respeito aos mandamentos constitucionais (que não são meras recomendações, mas detém vinculatividade) e aos Direitos Humanos, deixando a estes a condição de elementos não-prioritários e tornando-os os principais objetos de cortes de recursos e contingenciamentos, como foi o caso da saúde, educação, renda e habitação. A história mostrou mais uma vez que nos momentos de tensão, o lado mais fraco da corda se rompe, o que impõe diversos desafios para um país periférico que tem sua trajetória política permeada de turbulências. Por isso, é fundamental (e não apenas, destaca-se), além do fortalecimento institucional, o constante engajamento na defesa da força normativa da Constituição, e acima de tudo do modelo de Estado de bem-estar social que ela consagrou, promovendo assim um aprendizado histórico que possibilite a construção de tempos melhores na seara de proteção aos Direitos Humanos. Laura Carvalho é certeira em reiterar que não são apenas os institutos que permeiam o debate jurídico que garantem o longo termo da consolidação de direitos, mas a voz ativa e a participação destes pilares na tomada de decisão política. O significado demanda o significante, de modo que nessa "valsa brasileira", é preciso a afinação entre os que tocam a musíca e os que dançam. Link do livro: https://www.amazon.com.br/Valsa-brasileira-boom-caos-econômico/dp/8593828620/ref=sr_1_1?crid=1S3O825ULX5MN&keywords=a+valsa+brasileira&qid=1693262707&sprefix=a+valsa+b%2Caps%2C258&sr=8-1(https://www.amazon.com.br/Valsa-brasileira-boom-caos-econômico/dp/8593828620/ref=sr_1_1?crid=1S3O825ULX5MN&keywords=a+valsa+brasileira&qid=1693262707&sprefix=a+valsa+b%2Caps%2C258&sr=8-1) ................................................................... Luiz Eduardo de Sousa Ferreira é membro do GPPEC/UNIFACS-CNPq, mestrando em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS e pós-graduando em Filosofia e Teoria Geral do Estado pela FADISP/UNIALFA.
"A valsa brasileira" e os desafios para a efetivação dos Direitos Humanos na ponta da trincheira política de um país periférico content media
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